Afinal, uma luz que chega?
- Beto Scandiuzzi
- 26 de nov. de 2021
- 2 min de leitura
Aqui à volta de onde moro, moços e moças, corpos sarados, roupa fitness, fazem exercícios nas academias como se a pandemia nunca houvesse existido. O mesmo acontece na hamburgueria em frente que fora inaugurada com bumbos e foguetes no início do ano passado, antes do coronavírus, fechou em seguida e agora abre as portas com a freguesia de volta, drive-thru, happy hour e chope artesanal pela metade do preço.
Mas movimento mesmo se vê na padaria aqui da esquina que oferece comida no peso, à la carte, marmita, mercearia, pizza, pães deliciosos e variados e até vinhos importados. As quatro oficinas mecânicas que estavam às moscas aqui na avenida, uma não se aguentou e fechou, mas as outras três se alegram com a chegada dos carros em busca de reparos, troca de óleo, bateria, pastilha de freios, ajuste da suspensão. Afinal, os carros voltam a ser necessários com o fim parcial do trabalho em home office, da escola por internet, reuniões por Skype. Das farmácias nem vou falar, nunca entram em crise, mesmo porque os doentes nunca saem de moda e em cada esquina existe uma. E nessa esteira de otimismo até as costureiras se deram bem recebendo encomendas urgentes para ajustes de calças, blusas e saias que ficaram apertadas por tanto tempo sem uso penduradas no armário.
Com mais de 50% da população vacinada, contágios e mortes em baixa, a vida parece voltar ao normal. Ou ao novo normal, para ser mais preciso reproduzindo o que dizem os tantos especialistas de plantão. A máscara ainda está em quase todos os rostos lembrando que o bicho afrouxou, mas não está morto. Quase certo que não. Da Europa chegam notícias ruins de uma sub-variante Delta AY.4.2, altamente contagiosa, que assusta só de ouvir falar o nome.
Hoje à tarde quando fazia a minha caminhada, cruzei com um homem sentado displicentemente na calçada. Parecia ter uns cinquenta anos, pele amorenada, vestia uma bermuda e uma camiseta sem mangas em bom estado peitando o frio invernal inusitado desse começo de primavera. Com os olhos semicerrados, encostado na parede ele cantava alheio ao movimento e à vida que passavam à sua frente. Parei e prestei atenção nele. Sua voz era rouca, trêmula. Cantava uma espécie de música gospel, triste, pausada, com aleluias, louvores e salvas. Só não saberia dizer se seu canto era um lamento a todos esses meses de incertezas, de abraços a distância, de perdas. Ou era uma mensagem de boas-vindas à luz que parece iluminar outra vez o caminho trazendo esperanças de uma nova vida.
Novembro, 2021
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