Carlos Heitor Cony
- Beto Scandiuzzi
- 21 de jan. de 2022
- 2 min de leitura
Eu já tinha passado por duas ou três livrarias do shopping e não o encontrara. Eu sabia da publicação do livro porque havia visto no jornal, semanas antes, a notícia do seu lançamento. Não desanimei. Semana passada indo ao centro para tomar um café com um amigo, entrei na livraria Pergaminho, em frente ao Café Regina, e …Surpresa! Da porta o avistei, ou ele me avistou, com aquele sorriso tímido e irônico de sempre, como que me mirando, como que me esperando na capa do seu último livro.
Estou falando do livro Quase Antologia, um copilado com as melhores crônicas de Carlos Heitor Cony publicadas entre 2005 e 2017, período em que escreveu, quase que diariamente, na segunda página do jornal Folha de S. Paulo. A derradeira em dezembro de 2017, poucas semanas antes da sua morte em janeiro último.
Cony está ao lado de Rubem Braga como o escritor que mais admiro. Diferentemente do Braga que morreu em 1990 e do qual já li tudo, ou quase tudo que dele se publicou, o Cony, vivo, seguiu escrevendo e nos abastecendo com crônicas nos jornais e livros, sem interrupções. Em Quase Memória, um dos meus favoritos, ele rememora o relacionamento com o pai, já morto, e diz haver escrito em um par de noites mal dormidas. Eu li numa sentada, muitas vezes com os olhos marejados.
Escreveu tanto que alguns analistas chegam a considerá-lo o cronista que mais publicou, colocando-o em pé de igualdade com Rubem Braga, Fernando Sabino, e até mesmo com o mestre Machado de Assis.
Desde então, tenho o livro ao meu lado, como uma relíquia, uma joia rara. Demorei dias para o início da leitura. E, agora, vou lendo-o aos pouquinhos, querendo desfrutar de cada linha, de cada parágrafo, de cada crônica, que ele com sua maestria nos deixou de legado. Às vezes a emoção me trai e me leva ansioso para páginas seguintes. Me controlo, respiro fundo, não quero que o livro acabe, este que pode ser o seu último livro. Digo pode ser porque é possível que daqui uns tempos alguém encontre em algum armário ou debaixo de alguma cama crônicas esquecidas e não publicadas. Ele seria bem capaz de um truque desses.
Ruy Castro, escritor e seu amigo por quase 50 anos, dizia que Cony escrevia como falava e vice-versa. “Ao lê-lo e ouvi-lo, lá estavam a mesma ironia, o mesmo ceticismo, o mesmo humor nu e cru e a mesma nostalgia de uma certa pureza que ele, rindo, adorava conspurcar.”
Cony, onde quer que você esteja, meu muito obrigado pelos momentos lindos que passei e passo com os seus escritos. Te digo que o seu Flu, irregular, anda na metade da tabela do Brasileirão, ainda nada se sabe sobre os ossos da socialite e milionária Dana de Teffé, e as Guerras Púnicas, ah as Guerras Púnicas que você adorava, Roma anda numa pindaíba que dá dó e Cartago é apenas um sitio arqueológico na periferia de Túnis guardando o seu glorioso passado.
Outubro, 2018
N.A. – Carlos Heitor Cony faleceu no dia 5-1-2018.
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