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Caro Ariano,

  • Foto do escritor: Beto Scandiuzzi
    Beto Scandiuzzi
  • 22 de out. de 2021
  • 3 min de leitura

Há tempos queria te escrever, desde quando soube da sua morte tempos atrás; confesso, que nos pegou a todos de surpresa, afinal você andava bem, mais sadio que um coco verde da Bahia, ou da Paraíba, sua terra natal, se você preferir.

E toda vez que eu pegava na pena, pensava, agora não, faz pouco tempo que ele morreu, deixa ele se acostumar melhor por lá, tem o tal do fuso horário, vai saber como ele foi de viagem, eu sei que você nunca tinha viajado para o estrangeiro. A comida não me preocupava sendo você um sertanejo acostumado a comer de tudo.

O primeiro que eu tenho para te informar, como também já havia comentado com o Ubaldo, é que seus livros desapareceram das livrarias, e, digo mais, sumiram até dos sebos que frequento regularmente. Assim, o que eu fiz foi buscar na minha estante, e reler, o seu belo O Auto da Compadecida, que eu já li não sei quantas vezes. Não sei se você sabe, acho que não, lá nos meus tempos de mocinho encenamos essa peça lá na minha terra natal, foi um sucesso danado, não se falava em outra coisa, eu fiz o papel do coroinha, escolhido talvez, não pelos meus dotes artísticos, que eram poucos, mas pelo fato de que eu era um coroinha de verdade. Magro eu já era e não me custou muito ser pernóstico e pedante como pedia o personagem que você criou. O certo é que não devo ter ido muito bem, a companhia fechou as portas, outro papel não me apareceu, e só me restou seguir fazendo o papel na arte da vida, triste e bizarro.

Já ouvi dizer que você não ficou lá muito satisfeito com a morte, Ariano, acho que ninguém fica. Ainda mais no seu caso, já que você estava escrevendo um livro e havia pedido, fez até um pacto com Ele, eu sei, que não o interrompessem na metade do trabalho. Foi uma pena! Mas lhe dou um conselho, não sei se vai servir, mas não me custa nada, use seus conhecimentos de advogado que você é, está bem que você não exerceu muito tempo, mas tente, recorra da decisão com São Pedro, quem sabe ele faz uma exceção assim como havia feito com seu amigo João Grilo, que teve uma nova chance e voltou para cá depois de morto.

Mas, se não der certo, não fique triste, acho que o pior passou com o Ubaldo que morreu uma semana antes de você. Ariano, esse sim acho que foi antes da hora, está todo mundo dizendo que foi tudo culpa da Caetana, que é como vocês chamam a Dona Morte aí no Nordeste, parece que ela se equivocou, era você que estava nos papéis, ela achou que o Rio de Janeiro era Recife, confundiu paraibano com baiano e acabou sobrando para o pobre Ubaldo que nem teve tempo de se despedir da sua ilha de Itaparica.

Agora Adriano, se nenhum recurso funcionar, relaxe, vá visitar seus pais, seus irmãos, seus amigos que já morreram e quem sabe você possa armar e levar o seu Circo da Onça Malhada a todos os rincões desse céu azul e infinito. E, se puder, continue com suas “aulas espetáculos”, eu posso ficar horas te escutando contar esses causos tão doces, puros, ingênuos e que fazem rir. Só não aceite dividir o quarto com o Michael Jackson, ou qualquer outro desses velhos cantores de rock, cujas músicas você não aprecia e eu também.

E uma última noticia, boa, as cabras que você criava em Taperoá, sua cidade natal, uma de cada cor, representando as raças do mundo, deram crias. Nasceram umas cabritinhas coloridas que você nem faz ideia. Como elas se reproduziram se não havia macho com elas? Não sei, só sei que foi assim!

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