Cenas do cotidiano

Tem aumentado o número de apartamentos, galpões e casas à venda e para alugar, e não sei se é devido à crise ou se já era anterior a ela. Num edifício aqui do lado há vários apartamentos à venda com cartazes – vende-se, um maior que o outro como que cada um querendo levar vantagem sobre o outro.

É uma casa baixa, sem alpendre toda pintada de verde. No muro da frente, escrito em letras garrafais, se pode ler: – Partido Verde. Há uma porta aberta e dentro um silêncio profundo indicando, provavelmente, que não há gente. A dúvida é se era pela proibição de reuniões com medo do vírus ou pelo baixo número de partidários, mesmo que uma plaquinha lateral anunciava “estamos em horário de atendimento”.

No alambrado arruinado do estacionamento havia um amontoado de faixas de todo tipo anunciando de tudo, de raspagem de tacos, limpeza de caixa d’água, spa urbano, sistema de controle de pombos, cachorros Dálmata, pizzas, chaveiros, manicure e o diabo a quatro. Um me chamou a atenção, escrito em letras gigantes e vermelho intenso com fundo preto: Arrumação garantida para o seu amor. Com um número de WhatsApp para chamar. Nunca tinha visto antes, não sei do que se trata, prometo investigar.

Tem aumentado as casas de repouso, academias de ginástica, pets e diminuído as creches e jardins de infância. Aumentou também a oferta de serviço de costura, cabeleireiros e moto boy. Algumas das profissões que podem sobreviver no futuro. Não se imagina alguém enviando à China uma calça para fazer a barra express, tão pouco ir lá cortar o cabelo ou pintar as unhas, mesmo que por um preço miserável. Se estarão a salvo também de algum robô que no futuro faça tudo isso eu não sei, nem me interessa, eu já não estarei mais aqui, espero.

Uma senhora de uns oitenta e tantos anos foi autuada e quase foi presa por tomar sol numa praça de Buenos Aires onde o isolamento é obrigatório. Quando o policial a pediu que voltasse para casa, disse bem irritada: – Tenho direito e necessito tomar sol. Assino embaixo.

Descobri uma funerária com nome que soa lindo na rua detrás de onde moro, Bom Pastor. Estava ali, sempre, um edifico importante, envidraçado, pintado em cores suaves, e nunca a havia reparado ou pode ser que eu me fizesse de distraído não querendo ver. Oferece todo tipo de serviço e até um programa de vantagens, imagino, como esses de milhas de avião. Quando passo de tardezinha está em silêncio, com expediente encerrado. Não estão fazendo horas extras como era de se esperar.

Entrávamos eu e Vera com nossos netos Felipe, Maria e Thomás em uma das igrejas aqui de Cidade. Vera lhes informa que, como é a primeira vez deles, têm direito de fazer um pedido. Felipe, onze anos, e Maria oito, se ajoelham e rezam em silêncio. Thomás, quatro anos, também se ajoelha e faz seu pedido em voz alta: que o vovô lhe compre cartinhas de Pokémon.

Janeiro, 2022