Esta é a minha terra
- Beto Scandiuzzi
- 15 de jan. de 2021
- 3 min de leitura
Quem viesse do Sul em direção ao Norte, usando os trens da Cia. Mogyana de Estrada de Ferro, ainda movidos a lenha e água, fazia uma curva longa, aberta à esquerda, contornava toda a fazenda do meu avô Manoel e, como que tomando fôlego, subia a reta ascendente de alguns quilômetros e logo chegava à estação.
Quem viesse com outros transportes, os poucos carros, charretes, cavalos, jardineira, usava um arremedo de estrada, uma simples picada que cortava a mata selvagem num provável caminho usado desde tempos incertos por desbravadores e imigrantes, sírios, turcos, libaneses, italianos que se dirigiam mais ao Norte em busca de cidades mais antigas.
Deve ter sido o caminho usado por meu bisavô Antônio quando chegou da Itália no fim do século XIX em busca de trabalho e comida. Bom marceneiro fez fama e logo ganhou dinheiro suficiente para comprar dezenas de hectares de terra fértil, mas ainda um cerrado fechado e de bichos selvagens. Pode ser que tudo aquilo havia sido de índios, mas estes, se haviam, nunca deram as caras, deixaram marcas ou reclamaram a posse.
Com poucos acidentes geográficos, apenas um morrinho a leste de pedras comuns, quase um enfeite, onde anos mais tarde soldados que falavam a mesma língua lutaram e morreram, inutilmente, para saber quem seguiria mandando no país. A oeste uma imensa planície aqui e ali ondulada e que chegava até o vale do Rio Grande, destino final do córrego Paraiso, que a cortava quase que obliquamente, e onde, então, se podia pescar lambaris de palmo e que em tempo de chuva se enchia, perdia o rumo e alagava toda uma imensa várgea que virava plantio. Foi nesse córrego, aqui e ali enfeitado por jambolões e chorões, que eu ainda menino, escondido da minha mãe, tentei aprender, sem sucesso, a nadar e pescar.
A cidade que aí nasceu a partir da estação da Mogyana levou o nome, bem provável, escolhido por meu bisavô, nome de origem tupi com significado desconhecido em homenagem a um arbusto não muito alto, muito comum na região e que produzia uma fibra que valia ouro numa época quando o plástico ainda não existia.
Foi aí que eu nasci, já um pequeno lugarejo de poucas e humildes casas, meia dúzia de ruas de terra batida, poeirentas no tempo da seca e que se havia formado em volta da estação de trem e uma pequena praça em frente. Aí passei minha infância e adolescência e aos dezoito anos pensando que havia outros mundos melhores, mais além dos cerrados, dos canaviais que se iam formando, mais além do Rio Bandeira e do Rio Grande, fui para longe, sem saber que eu nunca terminaria de ir por completo. Sem saber que minhas raízes, já tão fortes, já se haviam penetrado naquela terra, sugando a ceiva profunda e contaminado a minha alma indelevelmente.
Hoje, passados tantos anos, de ter conhecido outros mundos, gostaria de voltar para esse lugar, rodeado de canaviais, cheio de calor, onde se pode ver o sol se pôr por sobre o vale do Rio Grande cada tarde, onde a gente simples fala a minha língua, e me reconhece á distancia, onde se escuta o silêncio, onde as casas ainda têm quintais com mangueiras e goiabeiras e galinhas e varais para estender roupa anilada, e jardins em frente, floridos de primaveras, hortênsias, jasmins e lavanda. Onde, em tardes luminosas, sentado na calçada se pode perceber, longe, o tempo passar. Onde a gente ainda tem fé, reza terços faz promessa a santo Antônio e acredita em Deus.
E repetir o poeta Federico Garcia Lorca no seu poema “Maravillosa Andalucia”:
El amor de mis amores,
Lo que más quiero en la vida,
Y esta es mi tierra senõres,
Y se llama Andalucia.
…e se chama Aramina.
Outubro, 2015
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