Magic Bus
- Beto Scandiuzzi
- 28 de out. de 2024
- 2 min de leitura
Num lugar perdido, inóspito, gelado, do extremo norte do Parque Nacional Denali ao lado do rio Teklanika no profundo e selvagem Alasca, havia um ônibus perdido. Era um desses modelos antigos, indefinido, da época da segunda guerra, que a gente antiga da minha terra costumava chamar de jardineira e que os caçadores que andam por lá usavam de abrigo sob tormentas inesperadas ou para dormir quando a noite os surpreende. Enferrujado e corroído pelo tempo, quase sempre implacável, foi notícia quando em 2005 Sean Penn dirigiu o filme Na Natureza Selvagem.
O filme conta a história de Chris McCandless, um jovem americano, 24 anos, graduado em História, boa pinta, insatisfeito com aquele jeito americano consumista de viver, e que decide abandonar tudo para viver nesse ônibus, descoberto por acaso, que ele chama de “Magic Bus”, naquele fim de mundo. Antes, por dois anos, vagueia sem destino certo, solitário, incógnito, a pé, de carona, pela costa oeste dos Estados Unidos, México, Canadá, até chegar ao destino final em abril de 1992.
Pensava que com a solidão, a natureza, liberdade, animais selvagens, paisagem exuberante encontraria a felicidade. Despreparado para tal aventura, morreu poucos meses depois de fome, intoxicação, inanição, todo um mistério, não se sabe bem até hoje. Pesava pouco mais de 30 kg. Uma foto encontrada na máquina fotográfica de Chris após a sua morte o mostra sentado ao lado do ônibus sorridente, feliz como alguém que finalmente estava fazendo o que queria e em absoluta paz e conformidade com seus valores.
Mas no final do filme, olhando o céu azul infinito pela janela do ônibus, como que esperando a morte, em paranoia profunda, imagens da família, da sua vida anterior, vêm e voltam. Essas imagens agregadas à frase que se encontrou no diário escrita nos seus últimos dias de vida “a felicidade só é real quando compartilhada”, lançam sérias dúvidas se ele realmente morreu feliz. Será que ele já não era antes? Para que ir tão longe buscar a felicidade? Cada um pode tirar a sua conclusão.
Em 2020 o “Magic Bus” voltou às manchetes. Tudo porque a guarda dos parques do Alasca decidiu retirá-lo de lá para evitar que os turistas seguissem arriscando a vida para visitá-lo. O que arrastavam as pessoas para lá? Alguém já escreveu que o mundo é um lugar cheio de tudo. Claros e escuros, tudo e nada, mais e menos, cada um pode voltar no tempo e pensar que na idade de Chris pode haver passado pela cabeça alguma aventura parecida, excêntrica e selvagem. Os que superaram esse momento, amadureceram e conseguiram envelhecer, preferiam olhar aquele ônibus enferrujado no Youtube, no aconchego do lar, tomando uma xícara de café ouvindo distante, no Spotify, Eddie Vedder cantando Rise, um dos temas do filme:
Tal é o jeito do mundo
Você pode não saber
Onde depositar toda a sua fé
E como ela irá crescer?
Vou me erguer
Trazendo buracos negros e memórias obscuras
Vou me erguer
Transformando erros em ouro.
José Humberto Scandiuzzi
É engenheiro e autor de três livros de crônicas.

Escreve no blog www.blogdobeto.com.br
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