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O busto

  • Foto do escritor: Beto Scandiuzzi
    Beto Scandiuzzi
  • 30 de jun. de 2023
  • 2 min de leitura

Não, não era primeira vez, eu já o tinha notado em caminhadas anteriores, em pé bem no meio de um canteiro central da avenida debaixo de uma árvore, numa baixada quase em frente ao estádio da Ponte Preta. Um busto. Dias desses, com mais tempo, a curiosidade me atiçou e eu fui até ela para saber de quem se tratava. Estava sobre um pedestal retangular simples de cimento, pose perfeita, isolado, em completa solidão. Era um homem, sério, ar nobre, olhando para o infinito, imobilizado eternamente no paletó de bronze escurecido. Nem deu bola quando me aproximei. Olhei, olhei, e não o reconheci e então dei uma volta completa no pedestal, procurando uma informação e, para surpresa minha, não encontrei nenhuma. Se notava, pelas marcas no cimento da base, que outrora havia uma plaquinha identificando o personagem, mas que algum atrevido por necessidade, ou por puro prazer anarquista, a levou.

E eu fiquei ali parado, olhando para o tempo, meio decepcionado, pensando em quem poderia ser aquele ilustre cidadão merecedor de tão importante espaço. Também me lembrando de que sempre me ensinaram, desde lá do grupo escolar, que estátua, busto, não é para qualquer um. O primeiro pensamento foi para o coronel Petená, ex-presidente da Ponte, mas, não, ele era militar e o busto estava vestido de civil. Além disso, dentro do estádio, bem na entrada, já existe um busto dele. Pensei também no Moisés Lucarelli, um dos que lideraram a construção do estádio que leva o seu nome. Como não o conheci nem nunca vi uma foto sua, não posso afirmar ser dele o busto. Que ele até merecia. Por último pensei no Ayrton Senna, nome da avenida onde está o busto, mas logo descartei a ideia. Se fosse dele, seguramente, estaria usando capacete e roupa de piloto, e não era o caso.

A origem das estátuas e bustos remonta a civilizações antigas destinadas a imortalizar personagens, fatos transcendentais, figuras de deusas, seres mitológicos, animais. No antigo Egito se pensava que possuíam parte do espírito que representavam. Algumas se eternizam no tempo, outras são derrubadas ou guardadas para tempos futuros. Muitas, como essa que encontrei, perdidas e que o descuido público, as torna sem referência e origem.

Ontem voltei a passar por onde está o busto. De longe vi um rapaz que a rodeava e pensei comigo, deve estar curioso para saber de quem se trata. Que nada, quando me aproximei, vi que ele, um atleta de fim de tarde, apenas usava o pedestal para os alongamentos prévios aos exercícios físicos.

O busto, abotoado no bronze, em silêncio, seguia mirando o infinito, indiferente à manhã iluminada que fazia, indiferente ao céu azul, indiferente à vida que seguia pela avenida. Também às mazelas desses novos tempos.

Junho, 2023

N. do A.: O busto, inaugurado em 1970, com ou sem placa, é uma homenagem a Salvador Lombardi Netto, campineiro, um dos mais destacados radialistas do interior de São Paulo e fanático torcedor da Ponte Preta, há 93 anos do seu nascimento.

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