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O dia em que Ariano visitou Aramina

  • Foto do escritor: Beto Scandiuzzi
    Beto Scandiuzzi
  • 12 de fev. de 2021
  • 3 min de leitura

O ano de 1964 havia começado com a estonteante Brigitte Bardot desembarcando no verão dourado do Rio de Janeiro causando grande estardalhaço e colocando as praias de Búzios no cenário internacional, com Roberto Carlos cantando seu novo sucesso É proibido fumar, com o clima político efervescente, discursos, passeatas, revolta nas forças armadas, que culminaria, em março, com o golpe dos militares colocando o presidente João Goulart para correr e iniciando uma ditadura que duraria 21 anos.

O golpe empurraria a emancipação política do meu lugarejo natal para o ano seguinte, mas fora isso, as coisas lá seguiam tranquilas, sem movimento de tropas ou passeatas, já que por lá comunistas nem guerrilheiros havia. Tinha um soldado que cuidava de cadeia vazia, jogava truco e pescava nos fins de tarde. Meu pai, mãos calejadas, trabalhava a terra de sol a sol, minha mãe pedalava a Singer e vendia perfume barato nos intervalos dos afazeres da casa e eu, então um adolescente observava a vida, tranquilo e despreocupado. Foi quando tudo aconteceu.

O Dr. Thomaz, meu primo (o pessoal, simples, o chamava de Dr. Tumais), havia acabado de se formar em medicina e decidido se instalar no lugarejo, um marco que mudaria a história do lugar. E foi dele a ideia de organizar um grupo teatral, com atores locais, e levar uma peça aos habitantes por primeira vez. A peça escolhida, o Auto da Compadecida, do Ariano Suassuna, que ele conhecia da faculdade. A renda, se bem me lembro, em prol de uma farmácia popular a ser criada.

Me lembro pouco dos bastidores, da primeira reunião na casa do seus pais, tio Tuninho e tia Olga, do único livro do Ariano que havia, do qual cada um copiou a sua fala num caderno, o primeiro ensaio no então cinema do Paulo David onde hoje está o banco Santander, sobre um estrado de madeira, o mesmo em que, algum tempo antes, uma moça desconhecida vestida de maiô azul turquesa dançou e cantou, uma imagem que em noites mal-dormidas ainda passeia pela minha memória.

Não sei como foi a escolha dos atores, as opções eram poucas, experiência nenhuma, mas, olhando com os olhos do tempo, se vê que foram acertadas. Nenhum outro poderia ter sido o João Grilo, se não o Aurildo, ou o Chicó, se não o Roberto, ou o bispo, se não o Marçolinha, ou a mulher do padeiro, se não a Enedina. Eu, no papel do desconfiado e corrupto sacristão, creio que fui escolhido pela minha experiência de anos como coroinha do frei Rosalvo.

Depois de exaustivos ensaios a estreia foi marcada para a recém-construída, na base do mutirão, sede social do Aramina Futebol Clube num cenário impecável que veio não sei de onde. Estávamos todos ansiosos, nervosos, a plateia lotada, mas tudo transcorreu bem, e nos sentimos reconfortados pela forma emocionada como fomos aplaudidos. Nos dias seguintes não se falava de outra coisa no bar dos Marçolas e nas conversas de comadres sentadas nas calçadas nos fins de tarde.

Isso nos deu ânimo e nos levou a fazer outras quatro apresentações: Aramina outra vez, Buritizal, Usina Junqueira e Igarapava, não sei se nessa ordem. Essa última foi, a meu ver, a mais desafiadora, afinal Igarapava era a nossa meca, onde as coisas aconteciam e nós, uns caipiras atrevidos, tentando fazer história. A apresentação foi no antigo cine “Poeirinha”, que já não existe, e me lembro de vê-lo lotado, as pessoas nos aplaudindo demoradamente, incluindo vários professores do colégio onde estudávamos. Glória total!

Infelizmente a experiência não se repetiu e, até onde eu sei, ninguém chegou até à TV Globo. Mas que valeu, valeu. A seguir os nomes de todos os participantes com a minha homenagem e agradecimento por aquele momento memorável em nossa vida. Aos que já não estão mais aqui entre nós, a nossa eterna saudade.

– Diretor – Dr. Thomaz A. Scandiuzzi;

– João Grilo – Aurildo Dias;

– Chicó – Roberto C. de Araújo;

– Jesus Cristo – Luércio Scandiuzzi;

– Nossa Senhora – Wilma Scandiuzzi;

– Bispo – Antônio Marçola (Marçolinha);

– Padre – Jorge A. Scandiuzzi;

– Sacristão – José Humberto Scandiuzzi (Beto);

– Diabo – Claudine Scandiuzzi;

– Assistente do diabo – Nilton Colmanetti;

– Padeiro – José F. Marçola;

– Mulher do padeiro – Enedina Garcia;

– Cangaceiro 1 – Dorival Scandiuzzi (Piolão);

– Cangaceiro 2 – Antônio Neder Scandiuzzi (Toninho);

Janeiro, 2021

NA.: algumas fotos registram aquela noite inesquecível; do lado esquerdo da foto, embaixo, a marca inconfundível do Foto Arima.

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