top of page
Buscar

O Lacto-Purga

  • Foto do escritor: Beto Scandiuzzi
    Beto Scandiuzzi
  • 23 de ago. de 2021
  • 2 min de leitura

A farmácia e os remédios estão na memória de todos de “antigamente”. Na minha também. Durante a infância, vivi numa cidade pequena, de poucos recursos, sem médicos por perto. O que valia eram as fórmulas caseiras, rezas e algum remédio que se comprava na farmácia sem receita médica.

A farmácia era meu mundo encantado, com cheiro a formol, espelhos, armários do tamanho das paredes e vitrines carregadas de vidros e caixinhas coloridas. Lugar de milagres onde um entrava doente e saía curado. A farmácia e os remédios de então pareciam possuir magia e encanto. Tempos de emplastos, xaropes e um tal Biotônico Fontoura, um fortificante eternizado por Monteiro Lobato e seu Jéca Tatu.

Mas na minha casa imperava um tal Lacto–Purga. Sua principal tarefa era contra intestino preso, um laxante dos melhores. Mas, dor de dente, unha encravada, dor no peito, enxaqueca e lá estava o Lacto–Purga pronto para entrar em ação. Minha mãe comprava em grosas. Ainda hoje, quando penso em remédio, logo me vem à mente o envelope amarelo com letras em azul do Lacto–Purga, e seu cheiro, como que impregnou as mucosas das minhas narinas.

Também posso me lembrar do ritual de preparação da minha mãe, tão logo alguém reclamava alguma dor. Agarrava o Lacto–Purga, que era em comprimidos, colocava-o no canto da mesa de madeira da cozinha e esmagava-o com o cabo da colher. Em seguida misturava esse pó numa xícara de café com açúcar e um pouco de água que ela mexia com o dedo indicador. Metade das dores terminava somente com o ritual de preparação.

Hoje o Lacto–Purga ainda existe, está muito menor do que os da minha infância, e segundo li, sem a fenolftaleína que, dizem, apresentava efeitos colaterais cancerígenos.           Com um pouco de exagero, poderia dizer que no canto da mesa que ainda está por lá na nossa casa, ficou de lembrança uma pequena depressão, marca do ritual de preparação do Lacto–Purga.

Depois desta fase nunca mais tomei Lacto–Purga. E nenhum outro remédio por vários anos. Jovens raramente necessitam remédios. Hoje, já com o peso dos anos, não fico sem a dipirona para as frequentes dores de cabeça. Dizem que a tendência é piorar. Logo virá o Prozac contra a depressão, o Lexotan contra a ansiedade. E muitos outros, caso não nos leve antes alguma doença incurável. Ou, como dizia o poeta João Cabral, “a guilhotina, o fusil limpo do ataque cardíaco.”

Pena que já não existem as pílulas de vida do Dr. Ross, que apesar de pequenas prometiam resolver tudo. Ou algum elixir de antigamente, aquelas bebidas mágicas que prometiam a eterna juventude.

Julho, 2021

Commentaires

Noté 0 étoile sur 5.
Pas encore de note

Ajouter une note
bottom of page