O meu lugarejo
- Beto Scandiuzzi
- 7 de jun. de 2024
- 2 min de leitura
Todos deveriam ter um lugarejo. Um lugarejo para dizer, orgulhoso, peito estufado: “esse é o meu lugarejo, o meu lugar no mundo”. Desses, com tão poucas ruas que se pode contá-las nos dedos de uma mão, sem contramão, sem semáforos, e com nomes que se sabe de cor e salteado, todos de antigos moradores, entre eles, um tal padre Abel que já ninguém se lembra quem foi.
Um lugarejo onde faz calor o ano inteiro, ninguém sabe o que é inverno, o tempo parece não passar. À noite o céu é cheio de estrelas e puro silêncio, silêncio que só é quebrado quando o galo canta, triste, na madrugada, até quase ficar sem fôlego. Um lugarejo onde todos os caminhos levam ao rio, que se chama Grande, que é grande, e é de todos, que hoje é manso, meio frouxo, mas que já foi bravo com corredeiras, poções, praias, e onde se podia pescar valentes dourados de metro.
Um lugarejo com casas com imensos quintais onde se planta “os amigos, os discos, os livros e nada mais”. Um lugarejo onde a gente ainda senta na calçada em frente das casas com alpendre no canto em tardes que não terminam nunca. Todos sabem a vida de todos e as notícias se atualizam na saída da igreja, depois do terço que se reza todos os dias. Um lugarejo onde todos se conhecem só pelo vulto ou pelas costas, pelo nome completo e apelido do qual quase ninguém escapa.
Um lugarejo onde os cachorros são vira-latas e magros, dormem a sesta e não se envergonham de ser vadios. Um lugarejo onde em cada esquina há um bar ou armazém que levam o nome do dono, se dizem de secos e molhados, vendem cigarro paraguaio, fumo de corda, cerveja barata e cachaça da boa, no fiado que se vai anotando numa caderneta com promessa de paga para quando terminar a safra da cana.
Um lugarejo com cemitério na baixada, cheio de nossas saudades, com túmulos simples à flor do chão, muros pintados de azul, pequeno porque a gente ali não se cansa de viver e nem tem pressa para morrer. Todo lugarejo deveria ter uma praça enfeitada com fícus, com fonte luminosa no centro mesmo que fosse sem luz e sem água. Todo lugarejo deveria ter uma igreja antiga em forma de cruz, construída com pedras seculares, no muque, no prumo, na colher de pedreiros mágicos de outros tempos. Todo lugarejo deveria ter uma estação de trem e apitos de trem. Mesmo que por lá já não passe mais trem.
Esse é o meu lugarejo.
Maio, 2024
P.S. – Crônica incluída no meu livro “Os anos mais antigos da memória” e publicada no jornal Correio Popular de Campinas no dia 26-4-24.
Parabéns primo pela primorosa crônica. Que o jornal continue escrevendo suas crônicas.
São belíssimas e tem sabor de quero mais. Abraço.
Oi Beto, muitas saudades da nossa infância lá em Aramina.
Texto suave e completo, nos remete a tantas Araminas que existem pelo nosso país!!
Adorei o texto.