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O relógio do apocalipse

  • Foto do escritor: Beto Scandiuzzi
    Beto Scandiuzzi
  • 28 de mar.
  • 2 min de leitura


 

Me pai me contava que seu pai, meu avô Gildo, diariamente, em fins de tardes ensolaradas e vazias, solitário, gostava de se sentar num banco de madeira que havia na porta da casona do sítio onde morava. Cachimbo num canto da boca, pipa de cachaça de engenho ao lado, os olhos azulados e cansados, passava horas olhando à sua frente a imensa e plana várzea que se estendia até as margens do córrego Paraíso, que logo adiante despejava suas águas barrentas no rio Grande. E, não raro, do nada, gritava: o mundo vai acabar.

Meu pai nunca me explicou de onde vinha essa premonição, se da leitura da Bíblia que ele fazia diariamente, chateação com aquela vida difícil ou efeito da pinga que ele tomava com gosto e parcimônia. Se o mundo não acabou até agora, acabou para ele, ainda muito jovem, numa manhã morna de outubro, quando eu apenas engatinhava.

Em 1947, dois anos depois do fim da Segunda Guerra Mundial, um grupo de cientistas da universidade de Chicago criou um relógio simbólico denominado “Relógio do Apocalipse” (Doomsday Clock), que usa a analogia da espécie humana estando sempre a “minutos da meia-noite”, e, nesse caso, a meia-noite representa a “destruição total e catastrófica da vida humana”. Inicialmente a analogia representava a ameaça à guerra nuclear global, porém desde algum tempo inclui mudanças climáticas e todo novo desenvolvimento das ciências que possam infligir um dano irreparável ao planeta.

O relógio nasceu com o ponteiro a sete minutos da meia-noite, se foi ajustando com o passar dos anos e o mais distante que esteve da destruição foi em 1991, a dezessete minutos, com o fim da Guerra Fria, quando Gorbatchov - Rússia e Bush, pai – e Estados Unidos se comprometeram a desmantelar grande parte dos seus arsenais nucleares. Agora, no início de 2024, os científicos advertiram que o mundo nunca esteve tão próximo da sua autodestruição. Guerras, arsenais nucleares em crescimento, mudanças climáticas agravadas por um multiplicador de ameaças, guerra de informação cibernética impedem respostas efetivas da sociedade. E o relógio foi ajustado: restam noventa segundos para o fim do mundo, o mais próximo da meia-noite desde a criação do relógio.

Várias personalidades mundiais, incluindo científicos, integram o grupo do relógio, treze delas prêmios Nobel em alguma ciência. O meu avô Gildo, que mal sabia escrever e ler, já sabia dessas coisas muito antes deles. Te cuida, planeta!

 

José Humberto Scandiuzzi

 
 
 

1 Comment

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Guest
Mar 29
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Ontem mesmo juntamente com um grande amigo e sob supervisão de algumas garrafas de vinho conversavamos num tom quase espiritual sobre o tema. Doomsday Clock e o fim do mundo. Algo intrigante e desconhecido do dia fatal. Quando a supervisão das garrafas estavam se esgotando , concluímos que talvez os Beatles tinham razão. All we need is love. Achamos até que os ponteiros dos relógios voltaram alguns minutos .Querido amigo José Humberto !!!! Parabéns por mais uma brilhante crônica. Continue firme no propósito em nos contarbelas histórias de sua linda Aramina e de suas recordações no nosso tempo apocalíptico. Abração

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