O sino da alma
- Beto Scandiuzzi
- 24 de jan.
- 2 min de leitura

Moro a pouca distância de uma igreja, é da Nossa Senhora Aparecida, mas por
mais estranho que pareça, nunca escutei o seu sino. Curioso, outro dia passei em frente a ela, com suas linhas simples, pintada em rosa-clarinho, uma frente toda envidraçada e uma modesta torre lateral com uma cruz pequena encimada. E reparei que não tinha sino, pelo menos à vista. Perguntada, uma senhora que ia passando, me disse, que o sino está desativado, não me explicou o motivo, e que a igreja já tem planos para recuperá-lo breve.
Não era de muito frequentar igrejas, sem a fé que minha mãe tanto tinha, devota de Nossa Senhora, mas nas vezes que por lá apareço me sinto bem, leve, feliz e aprecio seus rituais litúrgicos, mensagens bíblicas, o sermão e os cânticos, que eu, baixinho, emocionado, tento acompanhar. E me sinto acolhido como mais um da comunidade, um paroquiano mais, como gosta de repetir o padre. Foi nessa igreja que, anos atrás, minhas filhas fizeram a primeira comunhão e, não tanto tempo assim, foram batizados meus netos.
O sino tem origem milenar e por ser um instrumento pagão só foi reconhecido pelo cristianismo e entronizado, com o órgão, nas suas liturgias duzentos anos depois de Jesus. Foi por séculos o instrumento de comunicação da igreja com a comunidade e seus fiéis, anunciando festas, missas, casamentos e os mortos.
Lá no lugarejo onde nasci, na minha infância, quando eu era coroinha e ainda estava de pé o plano da minha mãe e do padre Borges para me levar para o seminário, tinha como tarefa ir todas as tardes, pontualmente, às seis horas, à igreja de Santo Antônio, construída pelo meu bisavô, tocar o sino. Marcava o tempo da Ave-Maria, avisava que logo haveria o terço e que era momento de reflexão e de agradecimento pelo dia recebido. Era lá também, onde eu tocava o sino, que se guardava uma imagem, em tamanho natural, do Cristo crucificado e ensanguentado, coberto com um pano roxo à espera das procissões da Semana Santa. Eu, menino, amedrontado, tinha um olho no sino e outro na imagem.
Eu não precisava ser um bom sineiro para aquelas simples e desafinadas badaladas e, quando a força dos braços não alcançava, eu tinha que me pendurar na corda para dobrá-lo com o pouco peso do meu corpo. Eu me sentia parte daquele ritual. Rubem Braga dizia que dentro das almas das crianças existe um sino de ouro; depois, por nossa culpa e miséria e pecado e corrução, vai virando ferro e chumbo, vai virando pedra e terra, e lama e podridão.
É certo que o sino de ouro já desapareceu da minha alma, cansada, desvalida, mas ultimamente, em momentos de solidão, fragilidades, incertezas, eu sonho escutar, longe, repicando no seu bronze casto, maciço, o sino da igreja de Santo Antônio, da minha infância. Quem sabe ele me ajude a ter mais crença, fé, e a ser um homem melhor.
2024 – Homenagem aos 75 anos da paróquia Nossa Senhora Aparecida e ao padre Machadinho seu fundador.
José Humberto Scandiuzzi
Muito bom texto!