O Som do Silêncio
- Beto Scandiuzzi
- 16 de abr. de 2021
- 2 min de leitura
É bem provável que esse ano a Netflix, finalmente, ganhe o Oscar de melhor filme, superando os grandes e tradicionais estúdios de Hollywood. Nos últimos anos vem batendo na trave. Em 2019, Roma foi indicado a várias estatuetas, levou três. Em 2020, O Irlandês recebeu dez indicações e, por essas coisas inexplicáveis, não levou nenhum. Em 2021, dos oito filmes indicados ao Oscar de melhor filme, dois são produções Netflix. Ao todo, 35 indicações recebidas nas diversas categorias.
Mas não está só. Outros gigantes mundiais do streaming, como Apple, Amazon, Disney, mostram as caras e dominam a indústria do entretenimento caseiro marcando uma tendência, aparentemente irreversível, para o futuro. Surfando nas ondas da pandemia e do mantra, “fique em casa”. Mas é de um outro filme, O Som do Silêncio, produzido pela Amazon, também indicado ao Oscar de melhor filme, que mais gostei. Teria o meu voto na Academia, se votasse.
O Som do Silêncio conta a história de Ruben, um baterista, que aos poucos percebe que está perdendo a audição. Angustiado, ao buscar atendimento médico, recebe a notícia que já perdeu cerca de 80% da audição e que a tendência é piorar.
O filme me fez lembrar uma passagem da minha vida quando eu era ainda um pré-adolescente. Uma fase difícil para qualquer um. Insegurança, dúvidas, incertezas, melancolia, solidão, picos de tristeza e alegria que se alternam vertiginosamente, cada um que a viveu sabe do que estou falando. Sem falar dos hormônios que se vão manifestando, as primeiras paixões.
Foi nesse ambiente que eu percebi que estava perdendo a audição. Em vez de me assustar, entrar em desespero, contar para minha mãe, eu comecei a desfrutar daquela sequela como um antigo poeta dramático de outros tempos que necessitava de sofrimentos para escrever boas poesias e que geralmente morriam tísicos, na pobreza ou se suicidavam.
Eu já andava escrevendo umas poesias, toscas, sem qualquer valor literário, mas que me ajudavam, pensava eu, a conquistar alguma namoradinha. E comecei a pensar que a perda da audição e suas restrições poderiam melhorar a minha escrita e assim conquistar algum coração. Durante vários dias eu fiquei curtindo aquela novidade, lembrando da última música que havia ouvido, o último gol do meu time do coração, a última conversa com meus amigos na praça da estação.
Mas minha mãe, que não era boba nem nada, estranhou o meu isolamento. E tive que contar o que estava acontecendo. Naquele mesmo dia fui levado ao dr. Jorge, oftalmologista amigo do meu pai, que com uma simples olhadela e um pouco de álcool resolveu o problema eliminado a cera que tampava meus ouvidos.
Demorei uns dias para me acostumar outra vez com a audição mais que perfeita. Voltei às poesias toscas, não conquistei ninguém, a vida voltou ao que era. Não aprendi nada do silêncio daqueles dias, que é o que propõe O Som do Silêncio. Uma imersão a esse mundo de quietude, perdas, o olhar na beleza das pequenas coisas.
Março, 2021
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