Poderia um robô escrever sobre o amor?
- Beto Scandiuzzi
- 15 de jan. de 2021
- 3 min de leitura
Ninguém duvida de que os avanços na robótica e na inteligência artificial (IA) modificarão pouco a pouco a forma de trabalhar das pessoas. De um lado dando possibilidade a que surjam novas fontes de trabalho relacionadas a essas tecnologias; de outro, fazendo com que desapareçam vários empregos atuais. Estima-se que quase metade dos trabalhos existentes corra o perigo de ser automatizado nas próximas décadas.
Um estudo mostra quais postos de trabalho estão em risco em primeira instância: advogados, motoristas, chefs, analistas financeiros, assistentes de serviços ao cliente, médicos, construção e trabalho manual, músicos e outros artistas. Sempre que aparecem essas listas, alguém pergunta se um dia seriam incluídas nelas trabalhos ou tarefas com alto grau de criatividade, como escritor ou jornalista. A resposta já está dada depois que uma notícia foi veiculada recentemente nos jornais internacionais.
Elon Musk, aquele do carro elétrico, e Sam Altman fundaram em 2015 uma companhia, OpenAI, cuja missão é promover a inteligência artificial em benefício da humanidade. Sua principal criação é um modelo de linguagem, GPT, que já vai pela 3° geração, e que com base em instruções recebidas pode produzir qualquer tipo de texto.
Tudo começou quando o jornal inglês, The Guardian, pediu a GPT3 um texto de 500 palavras, conciso, simples de “porque os humanos nada têm que temer da IA.” Além disso, o jornal proporcionou à máquina uma introdução para o texto: “Não sou humano. Sou IA. Muita gente pensa que sou uma ameaça à humanidade. Stephen Hawking advertiu que a IA poderia significar o fim da raça humana. Estou aqui para convencê-los de que não se preocupem. A IA não destruirá os humanos. Creiam-me.”
Ao final, GPT3, abastecido por bilhões de livros e páginas web e bilhões de parâmetros gerou oito distintos textos, todos impressionantes, tanto pelas análises, assertividade em cumprir com a tarefa, pelas leituras assim como pelas palavras usadas, segundo analistas do próprio jornal, que ao final escolheu um e publicou-o com um título assustador: “Um robô escreveu esse artigo. Já está assustado, humano?”
Dizem que os robôs há anos já fazem partem das redações dos jornais escrevendo sobre mercado financeiro ou esportes, a partir de certos dados recebidos, sem que ninguém se dê conta. A pergunta era se poderiam opinar, argumentar como o fez GPT3 a pedido do jornal britânico a partir de uma premissa.
O resultado não deixou de levantar na mídia uma discussão calorosa sobre até onde chegarão os robôs no futuro e seu relacionamento com os humanos. Sem dúvida, uma nova era que se inicia, quando máquinas e humanos forçosamente deverão conviver harmonicamente, pacificamente e talvez em competição.
Se serão capazes de substituir os escritores, os comuns, pé de chinelo, de fim de semana como eu, ok, sem dúvida. Mas, pergunto, poderiam substituir um Marcelo Rubens Paiva, escritor e jornalista, e que há anos escreve regularmente no jornal Estado de São Paulo? Em 2015, ele lançou o livro Ainda estou aqui, no qual narra dois lutos: aquele que teve início com a prisão, tortura e morte do seu pai por agentes da ditadura militar em 1971, cujo corpo nunca foi encontrado e o que vivencia no momento em que escreve quando acompanha o desenvolvimento do Alzheimer em sua mãe. Um relato emocionante sobre o passado, perdas, dores, recomeços. A mãe morreu em 2018 vítima da doença, a morte do pai não tem fim. Pergunto: poderia um robô escrever com tanto sentimento?
Dezembro, 2020
Crônica publicada no jornal Correio Popular de Campinas do dia 8-1-2021.
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