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Sem resposta

  • Foto do escritor: Beto Scandiuzzi
    Beto Scandiuzzi
  • 13 de mai. de 2022
  • 2 min de leitura

Dizem que a cidade de Buenos Aires, la gran Buenos Aires como a chamam por lá, com quase vinte milhões de habitantes, está dividida historicamente em duas partes: zona sul, pobre, e zona norte, rica. Mudanças de governo e de partidos políticos, com ditaduras e militares no meio ao longo dos anos, foram incapazes de eliminar essa divisão, que, ao contrário, se aprofunda com o passar do tempo.

Li outro dia em um jornal argentino, que um estudo feito por cientistas internacionais chegou à conclusão de que os que moram na zona norte vivem mais que os da zona sul, e não pouco, uns sete anos mais. Quando me mudei para lá nos anos 90, a trabalho, procurando casa, logo me disseram: vá viver na zona norte. E assim escolhi Belgrano, um bairro tranquilo, lindo, já quase na divisa entre a cidade e a província. Sem saber nada do tal estudo.

E foi nessa época que conheci dois argentinos dos quais fiquei muito amigo, com idades parecidas à minha, numa amizade que sobreviveu à minha volta ao Brasil anos depois. Era comum falarmos por telefone, antes do WhatsApp, e visitá-los nas minhas idas a Buenos Aires a trabalho durante muitos anos. Ambos viviam na zona sul: Nacho, em Avellaneda, torcedor fanático do Racing, e Neri, em Barracas, torcedor do Boca, os dois descendentes de italianos da Calábria. Ambos viviam nessas casas antigas onde haviam nascido, cheias de quartos, que os avós haviam construído com suas próprias mãos, de portas e janelas altas e que davam diretamente para a rua com quintais imensos ao fundo lajeados de pedras rústicas, descoloridas e irregulares com parreiras de uvas sob a qual se casaram os pais, os tios, primos, irmãos, em festas que varavam dias e não tinham fim.

Uns anos atrás morreu o Nacho, um ataque cardíaco, e não passou muito tempo se foi o Neri quase da mesma maneira. Senti a morte dos dois. Me lembro que de vez em quando alguém perguntava a eles porque não se mudavam para algum bairro melhor, zona norte; então eles abriam um sorriso e diziam que não, nem lhes passava pela cabeça viver em outro lugar, mesmo ao prêmio de viver alguns anos mais, coisa que então não se sabia.

A perda de algum amigo traz sempre consigo momentos de reflexão, perguntas sem respostas, porque um, porque não outro, porque seguimos sobrevivendo? Quem sabe parte da resposta, no meu caso, pode estar nos anos que vivi em Belgrano, zona norte de Buenos Aires. Quem sabe?

Maio, 2022

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