Vale quanto pesa
- Beto Scandiuzzi
- 10 de jul. de 2018
- 2 min de leitura
Fui, por primeira vez à Alemanha no início dos anos 80. Por aproximadamente três meses vivi numa linda cidadezinha, das muitas que existem por lá, e que parecem saídas de alguma pintura de Van Gogh de tão coloridas, bem cuidadas e limpas.
Por sorte, aí já viviam outros brasileiros e com eles aprendi que do orelhão da pracinha se podia falar com o Brasil usando moedas brasileiras. Que alegria! Todas as noites uma pequena fila de conterrâneos fazia a festa transformando moedas de centavos de cruzeiro, nossa moeda na época, quase sem nenhum valor de face, em verdadeiras moedas de marco, a forte moeda alemã de então. Era o único lugar do mundo onde o nosso cruzeiro tinha o mesmo peso do marco, literalmente!
De volta ao Brasil passei um fim de semana em Londres, era final de outono, fazia frio, e descobri que os aquecedores das casas funcionavam também com moedas. Você colocava a moeda, a famosa e valorizada libra esterlina, e eles devolviam calor. Sem moedas permaneciam mudos e fechados.
Eduardo Galeano, o famoso escritor uruguaio, conta no seu belíssimo – “O livro dos abraços”, que eu só fui ler muitos anos depois, que exilados sul-americanos sem “plata” e sem prata e que viviam em Londres nesta época morriam de frio ao lado de aquecedores que só abriam a boca alimentados por moedas de libra.
E ele seguia explicando que, diferentemente do nosso caso com o orelhão alemão, que era público, lá não podiam usar moedas baratas como o peso argentino pois seriam descobertos imediatamente. Provando que a necessidade aguça a criatividade certo dia inventaram a moeda de gelo. A ideia era excelente, o próprio aquecedor uma vez acionado derretia a moeda eliminando qualquer vestígio de fraude. E ainda hoje, passados tantos anos, fico imaginando a cara de espanto do arrecadador conferindo consumo e nenhuma moeda na caixa do aquecedor.
O crime era perfeito, ou quase, não fosse um detalhe. Com o tempo as moedas de gelo se derretiam e antes de evaporarem atacavam o piso de chapa do aquecedor. O uso contínuo levou à oxidação da chapa fazendo brotar a prova do crime.
Mas, aí o tempo já havia passado e o inverno também. E provavelmente nossos amigos sul-americanos já haviam mudado de casa por falta de pagamento do aluguel. Impossível pensar que o “Sir”, dono da casa, fosse aceitar pagamento com moedas de gelo, mesmo que fabricadas com uma boa, secular e límpida água do rio Tâmisa.
Junho, 2007
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