São Brás

Foi logo após a pandemia, na época que, já sem medo do bicho, voltamos a frequentar restaurantes. Estávamos eu e meu neto almoçando quando, numa mesa ao lado, outro vovô começou a bater, desesperado, nas costas de um garoto sentado ao seu lado, e a gritar:

¾ São Brás, São Brás.

Prestando atenção se podia ver que o menino havia se engasgado com alguma coisa e o vovô, aflito, recorreu ao velho santo, médico, mártir, que viveu entre os séculos III e IV na Armênia, provavelmente antes da conversão de Constantino, o Grande, o primeiro imperador romano a adotar o cristianismo. Ficou conhecido porque retirou, após uma breve oração, uma espinha da garganta de uma criança. Morreu decapitado num dia 3 de fevereiro como esse que passou, e seus restos mortais repousam na cidade de Maratea, sul da Itália.

Confesso que é uma cena rara, nos tempos atuais, essa que presenciei. Pelo menos para mim, observador desatento. Parece que as crianças de hoje não se engasgam mais ou pode ser que os peixes já não têm tantas espinhas como os de antigamente. Ou pode ser que já exista algum App no Google que resolva essa situação sem mais delongas e ajudas espirituais.

Quando menino, evitava comer peixe desde que um primo quase morreu sufocado com uma espinha na garganta. Deram-lhe baldes de água, fizeram ele comer miolo de pão, engoliu farinha de mandioca, mas o que o salvou foram os tabefes nas costas e o pedido de ajuda a São Brás.

O escritor Carlos H. Cony contava que na rua onde morava, em Lins de Vasconcelos, quando criança, havia um espanhol especialista que sempre era chamado quando alguém se engasgava. Tinha lá sua técnica com uma porrada letal nas costas, seca e tão forte, que, se o menino não perdesse os pulmões, se salvava.

Lembro-me da rua simples, de terra batida onde eu morava de menino. Havia poucos espanhóis na redondeza, nenhum deles especialista na arte de desengasgar crianças. Estavam as tias e vizinhas que sabiam rezas que curavam quase tudo, desde cobreiro, mau-olhado, até costela caída, a mais carismática de todas, a tia Olinda, que curava rezando baixinho, olhos fechados e cosendo um retalho de pano. Mas, para casos de engasgamento, cada mãe sabia o que fazer. Era só pedir a ajuda de São Brás.

Ah, só para constar, o menino do restaurante lá do início da crônica se salvou, tão logo São Brás foi chamado.

 

Fevereiro, 2024

 

NA – era comum, antigamente, no dia de São Brás, rezar a benção de São Brás. Era assim: por intercessão de São Brás, bispo e mártir, livre-te Deus do mal da garganta e de qualquer outra doença. Em nome do pai, do Filho e do Espírito Santo.

Dia 3 de fevereiro é o seu dia. Protetor dos laringologistas, dos que trabalham com lã e dos pedreiros.

5 comentários sobre “São Brás”

  1. Amei seu texto. Gosto muito do São Brás.
    O João engasgou com um espinho de um dourado que a mãe dele havia assado. Fico mal e meu sogro o levou no Lambari ( que tem um posto de gasolina em Igarapava ) que era especialista nesse quesito.
    Ele desengasgou o João em minutos. Revivi está história. Obrigado pelo texto. Muito bem pestalógicco!

  2. Esse negócio de espinho de peixe é perigoso para qualquer um. Primeiro, não gosto de peixe com muito espinho. E os que tem espinho maiores, na mastigação vou tatiando até sentir que passei os dentes sobre todo o peixe. Com isto demoro muito e como pouco peixe. Uma vez fui num hotel do Sesc no Pantanal. Eles serviam aquelas fatias enormes de filé de peixe e o espinho era enorme. Com isto era fácil comê-los, e além disto era uma delícia.

  3. Que memória tem o Beto.Lembrar-se da história de SÃO BRÁS lá da nossa infãncia.Quem não viveu estes casos de engasgar e as mães ou avós ou tias pedir a ajuda de São Brás.Depois de bater nas costas da criança que é o que resolvia.Parabéns Beto por mais esta crônica muito legal.Abraços.

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