Cheiro de infância

Dia desses estava de passagem pelo mercado municipal aqui da cidade fazendo hora junto a uma banca de frutas quando um senhorzinho se aproximou do vendedor e perguntou:

– O senhor tem ingá?

O vendedor, um rapazinho que não deveria ter mais que vinte anos e quase nada de vendedor de fruta, braços tatuados, olhar cansado, se assusta e responde:

– Se eu sou de Maringá? Não, sou de Valinhos. E, cabeça baixa, segue organizando as frutas na prateleira, já esquecido do freguês.

O senhorzinho também se surpreende com a resposta do vendedor, gagueja alguma coisa incompreensível, limpa o suor da testa com um lenço de pano amarrotado que tira do bolso, resmunga algo outra vez, balança a cabeça como que desapontado e sai caminhando lentamente em direção à saída do mercado.

Eu, que observava a cena de perto, não pude deixar de lembrar de uma crônica do Sérgio Porto quando num bar do seu Rio de Janeiro antigo, onde ele tomava um café, um jovem entra e pede um suco de cajá.

– Cajá? Não. Caju poderia ser, responde o homem do bar, mas cajá? nunca ouvi falar – conclui. E segue lavando uns copos assobiando um samba do Noel Rosa.

O jovem sai do bar desanimado, e Sérgio conclui que o pedido de suco de cajá, uma fruta rara, só poderia ser por saudade da sua terra distante. E a cena leva Sérgio a se lembrar da casa da sua infância, onde no quintal havia um pé de cajá, que era a alegria da família e da vizinhança.

Essas recordações me levam também a pensar, não no cajá, mas no ingá, fruta também rara, que o senhorzinho buscava no mercado. Também ele, camisa de mangas compridas abotoadas no punho, botina amarela e chapéu de palha, deveria estar com saudade da sua terra.

Como eu, imediatamente, ao ouvir a palavra ingá. Porque na minha infância, na casa que o avô Gildo havia construído, tinha um pé de ingá, gigante, copado e que dominava o quintal com seus galhos que chegavam longe e que produzia uma sombra que dava gosto. E, mais, era o único no lugarejo, nem o tio Luís, com seu quintal imenso e muitas frutas exóticas, como a romã, tinha um. Eu não sei de onde o avô o trouxe, dizem que é natural da floresta amazônica onde é conhecido como a “fruta da infância”.

Se o tamarindo, fruta de sabor azedado, é melhor consumir em sucos, o ingá, com sua polpa fibrosa e adocicada, é consumido ao natural. Com suas várias floradas brancas anuais, havia ingá o ano todo, suficiente até para os micos, beija-flores e morcegos, bicho que me dava um medo danado.

Entretido nesses pensamentos antigos saio do mercado e uns metros adiante, logo na esquina da Ernesto Khulmann com a Benjamin Constant, encontro o senhorzinho parado, mãos na cintura, olhando pro céu. De vez em quando movia a cabeça para um lado e pro outro. Pensei comigo, deve estar buscando no ar o cheiro aromático do ingá. Cheiro da sua infância.

 

Abril, 2024

 

3 comentários sobre “Cheiro de infância”

  1. Ai que saudades da nossa infância né Beto.Na fazenda do Avô Berto da Dalva ,havia também um grande pé de Ingá que dava frutos grandes e doces.E a árvore era bem frondosa.Parabéns mais uma vez por esta linda crônica.Abraços.

  2. Que saudades de ingá, saudades de quem nos trazia ingá, meu avô Chico!!
    Acho que essa crônica, é a crônica dos avós!
    Obrigada por mais uma, Beto!

Deixe uma resposta