O doutor

Uma dor de cabeça persistente me tem levado ao médico com regularidade. A um neurologista, que a gente logo pensa que é médico de doido. A recomendação de ir a esse neurologista foi de um outro médico, urologista, que me conhece desde muitos Carnavais. Eu e a minha próstata, de cima para baixo, de baixo para cima.

Quando cheguei à primeira consulta, havia muita gente e, como ocorre em quase todos os consultórios médicos, quase uma regra geral, eu esperava um atraso, mas não esperava tanto: foram umas três horas até ser atendido, já quase noite. Mesmo assim, ele foi legal, atencioso e em nenhum momento apressado. O diagnóstico foi enxaqueca, mal que aflige uns quantos milhões de cidadãos mundo afora. Paciente, me explicou como funciona o processo químico que a desencadeia e chegou até a rabiscar uns desenhinhos no papel para se fazer entender melhor. Depois me explicou, por uma pergunta minha, a diferença entre a dipirona e o paracetamol, fórmulas analgésicas vendidas aos milhões para aliviar a tal dor de cabeça. No final, me receitou uns remédios misturando, como poções mágicas e empiricamente, propanolol, naproxeno, ranitidina, que eu estou tomando em doses que se vão alternando cada vez que o visito.

Eu voltei outras vezes sempre com o consultório lotado e sendo atendido muito tempo depois da hora marcada. Sem nunca ter ouvido na sala de espera uma reclamação pelo atraso na consulta, que parece ser comum a todos os pacientes. Eu melhorei, mas não fiquei curado, de vez em quando, do nada, a dor de cabeça aparece. Mas hoje, num dos meus retornos, entendi porque o tal doutor é tão requisitado, mesmo com a espera: ele é competente e carismático.

Tudo aconteceu quando saiu um senhorzinho da consulta, parou no meio da sala de espera e disse bem alto:

— Este doutor é muito bom, eu cheguei aqui uns meses atrás, quase não podia andar com dor na coluna e hoje estou curado — dizia isto andando de um lado para outro dentro da sala, apressado, ereto, girando nos calcanhares para nos mostrar que estava bem.

— Querem que eu plante uma bananeira pra vocês verem? O que o doutor fala Deus põe a mão e cura — concluiu o senhorzinho todo feliz.

Todos da sala, eu incluído, meio dormidos de tanta espera, saímos logo a dizer: “não, não, nada de bananeira”, com medo que ele caísse. Ele saiu e foi embora.

Nós continuamos a espera sabendo que valia a pena, eu pensando no dia em que sairei na sala para anunciar que não tenho mais dor de cabeça. Sem ameaçar plantar bananeira. E poder elogiar o doutor.

 

Julho, 2023

5 comentários sobre “O doutor”

  1. Outra vez o Beto mostra todo o seu talento nesta crônica sobre o Doutor, um médico muito competente que cuidava de TODOS com muita competência.Parabéns.Continue assim.

  2. Lógico que você vai sarar. Ficarei na torcida.
    Você escreve muito bem. Escreve o que sai da sua cabeça e sentimento. Tem muita informação e baila sobre as palavras. Muito agradável.

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