“Je t’aime…moi non plus”

O ano era 1969, plena ditadura militar, eu acabara de entrar na faculdade vindo lá do meu pequeno povoado e ainda tentava me adaptar à nova vida, à cidade grande, aos novos amigos, aos novos costumes. Eu adorava ouvir música, principalmente à noite, antes de dormir e esse prazer eu pude continuar desfrutando, após a mudança de casa: logo no início daquele ano, meus pais me presentearam um rádio portátil. Eu passava horas ouvindo a Rádio Mundial – AM 860 no comando de Big Boy e seu inesquecível “Hello crazy people”. Eram os templos gloriosos da Era do rádio.

Me lembro que começou a circular na faculdade a notícia do lançamento de uma música francesa, erótica, sensual e que sua execução nas rádios havia sido proibida pela Polícia Federal. Não só proibida, a PF mandou apreender todas as cópias da canção nas lojas por todo o Brasil. O que mais chocou os censores “foi a ousadia dos gemidos e suspiros da cantora nos momentos de maior êxtase da música”.

Creio que o fato de haver sido proibida, dos comentários que se ouviam, verdadeiros ou não, exagerados com certeza, atiçou nossa curiosidade, jovens que éramos. Mas como ouvir a música sem o disco e sem a música no rádio? Caros leitores, nem imaginávamos que haveria num futuro distante uma tal de internet que resolveria tudo em segundos. A saída foi recorrer a uns novos amigos, donos de uma loja de discos, que os vendia ilegalmente. Fizemos uma vaquinha, compramos o disco, conseguimos um toca-discos emprestado e, numa noite inesquecível, ouvimos embebecidos o “gemidão” da Jane Birkin.

Consta que Serge Gainsbourg, autor da música, jovem, mas já famoso naqueles anos tumultuados da França, havia pensado em Brigitte Bardot, estrela suprema do cinema francês, ex-namorada, para gravá-la. Por alguma razão, Brigitte recusou o convite. Gainsbourg esteve vários meses buscando, sem êxito, uma cantora para a música. Sua sorte começaria a mudar quando conhece Jane Birkin na gravação do filme “Slogan”, quando contracenam. Jane, mesmo ainda jovem, já não era uma desconhecida do público, havia estrelado e aparecido nua no lendário filme de Michelangelo Antonioni – “Blow – Up”. Encarou o desafio e o resto já é história. Jane construiu uma carreira brilhante no cinema e na música. Mas, com sua ousadia em Je t’aime…, deixou uma marca na história musical.

“Je t’aime…”, que na época escandalizou o próprio Vaticano, proibida em vários outros países, seria hoje uma brincadeira de garotos, nada comparado às cenas que se veem, diariamente, nas novelas da TV brasileira.

Gainsbourg e Jane viveram juntos até 1980. Ele, fumador inveterado, alcoólatra e outros excessos, faleceu em 1991. Jane, nascida inglesa, faleceu no dia 16 de julho passado. Tempos atrás havia pedido que tocassem “Je t’aime… moi non plus” no seu velório. Espero que se tenha cumprido com seu desejo.

 

 

Julho, 2023

 

Além de Jane, julho também nos levou Tony Bennett, João Donato, Doris Monteiro, Leny Andrade e Milan Kundera com seu A Insustentável leveza do ser.

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