O melhor amigo do homem

Se chama Bruno, é Bruno, e não é nome de gente, não. É nome de cachorro. Eu sei que alguém vai reprovar dizendo que Bruno não é nome de cachorro, mas, pensando bem, tem nome de gente que chega a dar vergonha, de modo que o nome Bruno neste caso está perdoado. É a modernidade diria meu pai sentado na varanda da nossa casa, descalço, olhando o infinito naquelas tardes ensolaradas.

Bruno não é nenhum vira-lata, se bem que não é desfeita para nenhum cachorro ser vira-lata, conheço vários, de boa família, boa índole e que vadiam pelas ruas sem rumo. Coisas do destino segundo algum filósofo contemporâneo.

Voltando ao Bruno, ele é da raça Weimaraner, de origem alemã, pelo curto e espesso, amarronzados, mais ou menos quatro anos, inteligente, obstinado e uma superior qualidade olfativa, própria da sua raça. É a estrela da polícia de Buenos Aires, capaz de farejar qualquer coisa. Outro dia cheirou uns minutos as roupas de uma moça que foi assassinada, levantou a cabeça, sentiu a direção do vento, e saiu em disparada. Uns poucos quilômetros adiante entrou numa casa latindo como o diabo. Lá, a polícia encontrou coisas relacionadas com a moça assassinada e que podem levar à elucidação do caso.

A fama do Bruno é tanta que os vereadores já estão pensando em revogar uma lei que proíbe a entrada de cachorros em bares e restaurantes em Buenos Aires. Só para que o Bruno possa tomar um “cortado con medialunas” sem o risco de ser preso, em alguma confeitaria de Palermo. E por conta da casa.

O Bruno me fez lembrar dos cachorros da minha infância. O primeiro que me vem à memória é o Gabi, presente do meu padrinho, o tio Geraldo, um verdadeiro vira-lata, pequeno, peludo nas cores preta e branca e que morreu muito jovem, acho que atropelado. Mais não me lembro, eu era muito pequeno. O outro é o Sultão, policial, e que conviveu comigo por toda a minha infância. O nome não sei de onde veio, acho que foi a minha mãe quem deu, tirado de uma novela mexicana que ela escutava à noite enquanto pedalava a sua Singer debaixo da luz amarelada.

La onde morávamos, um lugarejo, era muito tranquilo, não havia ladrão, se podia dormir com a porta aberta e o Sultão nunca teve que colocar os seus predicados de guarda em ação. Passava os dias dormindo numa cova que ele mesmo fizera debaixo da parreira de uva e só saía de lá quando ouvia o meu assobio ao chegar da escola e corria ao meu encontro. Ou quando minha mãe lhe servia a comida, em geral, a sobra da nossa.

Certo dia o encontramos morto na sua cova numa manhã chuvosa de verão. Eu devia ter uns nove ou dez anos. Fiquei triste e nunca me esqueci dele. E nunca mais quis ter outro cachorro.

 

Outubro, 2023

14 comentários sobre “O melhor amigo do homem”

  1. Que modo diferente que o Beto escreveu para falar sobre o melhor amigo do homem ou seja dos cães.E ele se esqueceu de falar da FUTRICA que era a melhor amiga do seu PAI.Parabéns BETO>

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